O Abraço da Morte (Jonathan Demme, 1979)

Um ano antes de lançar seu primeiro grande sucesso de crítica, a comédia Melvin e Howard, Jonathan Demme aventurava-se por um dos maiores prazeres para qualquer fã de cinema de gênero: produzir seu próprio thriller paranoico hitchcockiano. Filme ainda hoje pouco visto, mesmo em círculos cinéfilos onde o diretor tem melhor reconhecimento, porém delicioso por entender que a essência dessas obras revisionistas é justamente a forma com que lida com as fórmulas e signos dos filmes originais, menos numa tentativa de emulá-los ou de equiparar-se a eles (os piores imitadores de Hitchcock são os solenes e reverentes), mas sim imbuído de uma predisposição para testá-los e torná-los algo novo, em uma narrativa consciente de suas limitações, mas também consciente do potencial desses elementos quando revistos sob outra perspectiva.

Seria o mesmo que dizer que este é um prato cheio para qualquer admirador da obra de Brian de Palma, cineasta reconhecido como principal deglutidor de Hitchcock. Enquanto De Palma refaz imagens hitchcockianas por meio de um trabalho de câmera e som que amplifica a intensidade dramática das situações, dilatando as formas e os tons até atingir um barroquismo raramente visto antes (vai do blow up até chegar ao blow out), em O Abraço da Morte Demme aceita o desafio de criar sequências que permitam ao filme percorrer novas veredas narrativas, sem que necessariamente dependam das anteriores para obter o efeito desejado com suas imagens.

Inicia como um aparente thriller de espionagem, mas logo em seguida transita por diferentes pontos de referência do suspense: paranoia de apartamento, paranoia urbana, teorias da conspiração, perseguição, serial killer, vingança, erotismo perigoso, investigações de cunho histórico e antropológico, até converter-se em um jogo de gato e rato por paisagens naturais do interior dos Estados Unidos. Cada set piece acrescenta novos elementos para a trama, levando a ação até ambientes tornados icônicos por outros filmes (apartamentos, banheiros, cemitérios, ferroviárias, estradas, torres, montanhas, cascatas), mas criando a partir deles novas cenas independentes e maravilhosas.

O luto pela morte da esposa, relevante durante apenas 1/3 do filme, encerra num plano lindo do Roy Sheider (um dos rostos mais expressivos do cinema americano) no cemitério durante o cair do sol. A paranoia persecutória termina com um tiroteio barulhento e enlouquecedor numa torre de sinos. O mistério sobre a serial killer é revelado ao público durante um assassinato formidável na banheira de quarto de hotel. O romance cafona chega ao fim com uma inevitável tragédia no topo de Niagara Falls. É um filme que não economiza em elementos e situações, evidenciando um deleite por trabalhá-los sempre em favor da encenação, como um exercício de gênero auto-consciente e muito estimulante para os apreciadores de trabalhos dessa natureza.

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