Pânico VI e Evil Dead Rise sugerem 2023 como um ano em que as franquias de “terror de shopping” ampliam suas iconografias para além das premissas básicas de seus respectivos originais. Enquanto o primeiro troca as ruas pacatas de Woodsboro pela natureza urbana de Nova York, permitindo-se explorar novas possibilidades de ambientação do horror no espaço público – a sequência do metrô sendo seu principal trunfo -, este Evil Dead Rise bate continência para a cabana isolada no mato em seu prólogo para, logo em seguida, também transportar a história até outro cenário urbano, a cidade de Los Angeles, mantendo o isolamento como elemento central do seu horror, porém renovando a ambientação em prol da exploração de novos recursos estéticos.
O grupo de amigos em férias cede lugar à família, tema que insiste em se manter em evidência no cinema americano contemporâneo; já a cabana da obra original é substituída por um amplo apartamento em ruínas, um pequeno lar prestes a ser implodido – literal e, de uma maneira um tanto óbvia, alegoricamente. Em ambos os casos, e sempre na medida do possível e do permitido no modelo de produção em que essas obras são realizadas, a decisão traz certo frescor para estéticas cansadas, embora não ocorra qualquer renovação nos mecanismos narrativos. Pânico VI sai dessa ainda mais prejudicado, já que, infelizmente, o filme abandona seus prazeres estéticos para focar nas mesmas ladainhas que pouco funcionavam nos capítulos anteriores. Evil Dead Rise, ao propôr essa renovação no contexto, talvez ganhe alguns créditos a mais.
É verdade que o filme atira para todos os lados, quer abraçar o mundo e dialogar com todas as vertentes existentes hoje no cinema de horror contemporâneo, com todos os perfis de público que consomem horror contemporâneo. Propõe um horror gore gráfico e brutal, brincando com os limites do absurdo na encenação da violência e das mortes, o que, obviamente, a essa altura não impressiona mais ninguém (ainda mais se considerarmos que o impacto visual do sangue digital, por mais discreto que seja o seu uso, é infinitamente menor), sugerindo uma conexão com esses novos filmes com um pezinho no absurdo como Hereditário e Malignant; lambuza-se dos recursos estéticos mais banais do cinema de horror de shopping, desde a caricaturização dos demônios ao uso do som, distinguindo-se muito pouco nesse sentido de qualquer outro horror genérico em cartaz; incorpora à sua trama um drama sério que busca fisgar quem procura uma legitimação extra-fílmica para gostar de filme de gênero; e, por fim, evoca uma autorreferência protocolar com os elementos do filme original e uma nostalgia esdrúxula com a cultura americana dos anos 1980.
Isso posto, é quase um milagre que, diante desse cenário, Lee Cronin encontre espaço para sustentar o que existe de mais lúdico e delicioso no projeto, um prazer por materializar visualmente ideias tão cretinas como a mãe quebrando os ovos, vomitando pela sala de casa e atacando seus próprios filhos e vizinhos; a irmãzinha caçula perfurando a garganta e o crânio da mais velha com uma estaca; a filha possuída se alimentando dos cacos de vidro do jogo de jantar da família; a briga e mutilação entre tia e sobrinha com um ralador de queijo no chão da cozinha. O que possibilita uma sessão realmente prazerosa, com o plus de alguns planos e ideias interessantes e fortes (especialmente o do peep eye), minimizando danos de um filme que pretende abraçar todo mundo que está na sala entregando um monstro gigante composto por pedaços de todo mundo que está na tela. Esse é o tipo de prazer que eu ainda quero encontrar num cineminha de shopping.
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