Orfeu no Carnaval (Marcel Camus, 1959)

Visto pela primeira vez. Lembrei durante a sessão dos musicais de Minnelli, do Renoir a cores da década de 1950 e dos filmes B de estúdio americanos. O que distancia minha experiência de algumas leituras empreendidas desde o seu lançamento, como os problemas com uma possível fetichização da cultura brasileira e com a representação de um Brasil inexistente na realidade. 

Orfeu do Carnaval não almeja, e de fato não encontra, uma representação realista do Rio de Janeiro ou do Brasil, mas sim uma combinação entre o mito grego e as virtudes estéticas do carnaval brasileiro – festa que implode justamente das qualidades do artifício.

A primeira parte é um grande delírio carnavalesco. Desde o plano de abertura, as pessoas cantam e sambam embriagadas pela festa. E logo o filme se isola no morro carioca, que, seguindo a mesma linha, adquire contornos teatrais, com o skyline da cidade operando quase como uma pintura de fundo de estúdio. O carnaval como esse conjunto de dias em que máscaras e fantasias transportam a novos mundos, apartados dos outros 360 dias do ano. 

Depois da longa sequência no próprio sambódromo, quando a música cessa e o filme adquire uma atmosfera de fim de festa, as ruas e edifícios da cidade passam a ser filmados numa chave expressionista. Orfeu, ainda fantasiado, à procura de Eurídice naquele imenso edifício público kafkiano; o velho varrendo os papeis pelo corredor; o plano do Orfeu descendo as escadarias; o necrotério; o terreiro – imagens que contrapõem a alegria e a efusividade da hora inicial e ressaltam a melancolia da tragédia, seja a morte de uma história de amor de carnaval ou o fim do próprio carnaval.

Ainda termina com aquela cena linda dos meninos tocando violão para o sol nascer, a música extraordinária de Jobim… Sei lá, até pode ser um filme problemático, nem tudo funciona e há coisas facilmente questionáveis; mas que os filmes problemáticos sejam sempre cheios de prazeres como este.

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