Meu Pecado Foi Nascer (Raoul Walsh, 1957)

Raoul Walsh concilia muito bem um olhar crítico emblemático sobre o contexto histórico retratado com uma articulação dramática potente, brilhantemente modulada pela câmera e pelo espaço. Incrível aquele primeiro beijo entre escrava e senhorio, com suas contradições e relações de poder retumbando junto à tempestade, enquanto o vento rebenta as janelas da mansão e a banda sonora é perturbada pelo som da chuva e dos trovões – difícil não lembrar da sequência em que Hupperth e seu estuprador lutam contra o vento para fecharem as janelas do casarão em Elle, em outra relação complexa de atração e violência. É a história de dois escravos, um negro e uma branca. O rapaz, criado como filho por seu senhorio; a mulher, adquirida em leilão pelo mesmo homem (Gable, vínculo direto com o clássico E o Vento Levou…, em que a trama também é atravessada pelo início da Guerra da Secessão, e ao qual foi excessivamente e injustamente comparado à época), preparada aos poucos para ser sua esposa, enquanto uma carinhosa afeição passa a de fato se estabelecer entre ambos. Toda a hora final é bem impressionante e Gable como de costume é uma entidade, mas a grande força do filme reside justamente no conflito dos personagens de Poitier e De Carlo, no quanto ambos são perturbados por essa temerária proximidade com o patrão, que afeta sua sonhada liberdade. “Eu o odeio por sua bondade. Isso é pior do que a violência. Quando um homem usa um chicote, você sabe contra o que deve lutar. Mas essa bondade é uma armadilha que pode mantê-lo na escravidão para sempre”, Poitier afirma em um momento chave. É um melodrama (na acepção mais rigorosa e nada pejorativa do termo) que encara frontalmente essas questões, escolhendo caminhos tortuosos e nem sempre fáceis de se digerir, e que sobrevive ao largo do revisionismo social/histórico superficial de tantos outros filmes interessados nos mesmos temas (patriarcalismo, escravidão, racismo, objetificação da mulher, etc). Mais um bom Walsh à espera de melhor reconhecimento.

Fale:

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s